01/07/2019 | Cultura e Educação

“Imaginem que vivem num país sem luz”

Inês Rodrigues, vencedora da menção honrosa do Global Teacher Prize Portugal, transforma plástico em azulejos e ilumina casas na Guiné-Bissau

"Imaginem que vivem num país sem luz. Imaginem que à noite as únicas luzes que existem são as luzes dos faróis, dos carros, são as luzes das lanternas das pessoas que passeiam. Imaginem que a única luz nesse país, à noite, é o aeroporto e quando o último passageiro sai tudo escurece.

Imaginem que os vossos filhos estudam e vivem num país onde têm que levar de casa o seu banco porque a escola não tem mobiliário escolar. Ou têm que usar um saco de plástico, como o dos supermercados que vemos aqui, para carregar o seu material para a escola. Este país chama-se Guiné-Bissau."

Palavras de Inês Rodrigues, professora de Línguas do 9º, 10º e 11º anos em Gondomar, numa TEDTalk feita a convite do TEDx Funchal. Inês foi uma das 10 finalistas do Global Teacher Prize Portugal 2019, no qual recebeu a menção honrosa atribuída pela Fundação Galp pelo cariz do seu projeto. Não ganhou o “prémio nobel” do ensino português, mas para os seus alunos, que sabem que o seu trabalho está a mudar a vida de milhares de pessoas, é como se tivesse ganho. A professora de Gondomar falou-nos acerca do estado da educação em Portugal, do que é ser Professor e do Projeto que arrecadou menção honrosa no maior projeto de reconhecimento da profissão em Portugal e no mundo.

Palavras de Inês Rodrigues, professora de Línguas do 9º, 10º e 11º anos em Gondomar, numa TEDTalk feita a convite do TEDx Funchal. Inês foi uma das 10 finalistas do Global Teacher Prize Portugal 2019, projeto apoiado pela Fundação Galp que contou este ano com a sua 2ª edição portuguesa.

“Vidas sem luz, sem saneamento, escolas sem teto. Foi aqui que se fez um clique.”

Inspirou-se precisamente nos seus alunos para dar início ao projeto. Lecionava numa escola que recebia estudantes vindos dos PALOP, que vinham fazer o secundário em Portugal, e foram os relatos que ouvia todos os dias das suas vidas tão diferentes que fizeram com que Inês pensasse numa forma de impactar outras realidades através da sua.

Escolheu a Guiné quando lá foi uma primeira vez e se apercebeu da dimensão da realidade do país. “A Guiné é um dos 10 países mais pobres do mundo, de acordo com a ONU, e é de língua Portuguesa. Porque não?” Foi em 2011 que bateu à porta do diretor da escola para lhe apresentar o PBL – Project/Problem Based Learning, uma metodologia de ensino diferente para uma altura em que a flexibilidade curricular estava a milhas de distância. O desafio feito aos alunos não era fácil: como solucionar um problema com recurso a materiais que encontramos em qualquer parte do mundo, de baixo custo, e que possa ser replicado por qualquer pessoa à medida das necessidades, mesmo por pessoas com pouca instrução?

O método passa por integrar o conhecimento teórico que os alunos adquirem nas diferentes disciplinas com a prática do “aprender fazendo”. Os alunos aplicam os conteúdos lecionados na resolução de problemas reais e na execução de produtos que são depois implementados em comunidades em África ou em Portugal. É um modelo replicável em qualquer escola e foram já implementadas cinco soluções na Guiné e uma Moçambique, desenvolvidas por turmas e escolas diferentes e que foram replicadas posteriormente pelos habitantes locais.

Inês afirma que “desta forma, os alunos trabalham as competências essenciais para o século XXI, algumas das quais não podem ser trabalhadas a partir dos manuais, mas são desenvolvidas através de experiências pessoais, como a criatividade e a responsabilidade, a colaboração e a liderança". A professora tem desenvolvido o projeto por todas as escolas onde passa e há 8 anos que as reações dos alunos e o impacto que tem nas suas vidas é do mais importante que retira deste projeto.

“Dar a conhecer aos alunos estes testemunhos é completamente impactante. Já vi alunos, homens feitos, a chorar.”

O seu método e abordagens inovadoras ajudaram a criar uma relação de grande proximidade e respeito com os seus alunos. “Ter uma turma só de rapazes que, ao fim de um mês de aulas, entram na sala e me cumprimentam com um aperto de mão, todos sem exceção, é sinal que consegui “entrar” no mundo deles”. Tem dificuldade em expressar por palavras a reação dos jovens sempre que volta das suas viagens e lhes conta todos os testemunhos que recolheu e acredita que são esses os momentos chave da sua motivação: “Ouvir alguém dizer que já pode cuidar do seu filho ou fechar a porta de casa porque já tem luz é algo que não se esquece e os motiva a prosseguir com este trabalho.”

No entanto, será toda esta abordagem realmente eficaz? Sobre esta questão Inês não tem dúvidas. Desde 2011 que ofeedback dos conselhos de turma tem sido semelhante ao do presente ano: os alunos envolvidos nos projetos estão mais motivados para aprender, melhoram a nível de comportamento, atitudes e assiduidade e os seus resultados finais são consequentemente melhores.

“A turma está diferente, salvaste a turma” – dizia-lhe uma colega relativamente a uma turma de instalações elétricas que está envolvida num projeto. No entanto, Inês não concorda totalmente com esta posição. É da opinião que não se trata de salvar mas sim de reconhecer e incentivar competências e talentos que os próprios alunos já têm mas ainda não descobriram. Quando lhe falamos em resultados a sua reação é instantânea: “(…)o nosso trabalho é mostrar caminhos, não impô-los. Não consigo colocar aqui números. É impossível quantificar vontades ou o sentimento de tarefa cumprida, quando um aluno em risco muda a sua atitude em relação à escola porque agora entende que o que está a aprender pode fazer a diferença na vida de alguém”.

Mas Inês não se dedica apenas a mudar todos os dias os métodos de ensino português e a vida dos seus alunos. Como forma de consagração do projeto fundou a Educafrica, uma ONGD que permite agregar todos os projetos, executá-los em diferentes escolas e estabelecer parcerias em Portugal e em África mais facilmente. A Educafrica dá-lhe uma flexibilidade que sem este projeto não teria. Estabelece parcerias com associações e escolas locais, recebe donativos e adquire material para os projetos de forma mais económica e mais célere do que nas escolas.

De forma simples, quando os alunos desenvolvem uma solução, esta é implementada em África e é dada formação aos professores de Tabancas (aldeias) locais, um excelente veículo de informação para ser possível a réplica das soluções. No fim, Inês regressa com o feedback para se proceder a alterações ou para fazer o manual/vídeo da execução do protótipo, que permitirá a qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo, replicar o conceito.

Os projetos

Entre empresas como a Lipor ou a Superbock, ou o apoio da Câmara do Comércio e Indústria de Bissau, Inês vai “batendo” a portas que permitam a execução dos projetos. Desde a doação de painéis solares ou componentes, acompanhamento técnico e garantia de sustentabilidade, transporte e logística, esta professora vai contando com o apoio de entidades para fazer acontecer.

Uma Gota de Luz

É um dos projetos que foi implementado na Guiné-Bissau pela primeira vez em 2014 e surgiu da necessidade de iluminar as casas na Guiné-Bissau sem recurso a qualquer ligação por fio elétrico. Baseia-se na reutilização de garrafas de água (um resíduo) para a construção de lâmpadas solares. Devido às condições atmosféricas, ao calor intenso e à grande incidência solar durante todo o dia, as construções são fechadas, sem janelas ou com poucas aberturas para não entrar calor, o que significa que a luz direta é inexistente e o espaço fica propício a acidentes domésticos, como as queimaduras durante a confeção de refeições nas fogueiras.

Este projeto está implementado em quatro tabancas (aldeias) na Guiné-Bissau, Cubampor, São Domingos, Elalab, Canchungo e Ingoré, que abrangem uma população de cerca de 30.000 pessoas. Foram ministradas 10 formações a habitantes para a sua implementação, tendo a Educafrica um elemento em permanência no terreno que monitoriza e faz a manutenção às lâmpadas instaladas. A solução está igualmente implementada em Portugal, com lâmpadas solares instaladas em abrigos de apoio a campos agrícolas.

África 2Eco

Implementado em Moçambique, tem como objetivos gerais a valorização dos resíduos urbanos, encarando-os como recursos, e a doação a comunidades de uma máquina transformadora de plástico. Neste âmbito as escolas trabalham as questões relacionadas com o plástico e desenvolvem campanhas para a redução, separação, reutilização e transformação desse resíduo.

A campanha de sensibilação ambiental foi levada para Maputo, onde as escolas recebem ações de sensibilização, e os alunos são agraciados com o crachá de “Agentes Ambientalistas”, funcionando como veículos de informação para a restante comunidade. Sensibilizam para a recolha de resíduos plásticos, que são levados para ser transformados em piões, azulejos, base para copos, entre outros. As máquinas são levadas a uma escola uma vez por semana, para permitir que todas as escolas da região (46 escolas públicas) possam usufruir da campanha de sensibilização durante o ano letivo. A equipa no terreno funciona de forma autónoma e este mês conseguirão atingir as três toneladas de plástico reciclado e transformado. Três toneladas que não chegaram ao oceano Índico.

Acerca do reconhecimento da profissão, que está nas três em que os portugueses mais confiam mas que menos recomendam aos filhos a seguir como carreira, Inês refere que “os pais e encarregados de educação confiam nos professores”, no entanto, aponta algumas razões para esta disparidade: “a constante mobilidade docente, e consequente instabilidade profissional, fazem com que, cada vez menos, os alunos queiram enveredar por esta profissão. No entanto, é positiva em relação à qualidade da educação e corpo docente: “existem excelentes projetos nas escolas, atualmente. Pode dizer-se que os 10 finalistas, com projetos tão diversos, representam a excelente qualidade que as escolas oferecem em termos de iniciativas”.

Agora, passado quase um mês da sua distinção, Inês consegue afastar-se e refletir acerca do que esta candidatura possa ter trazido à sua vida.

“Senti que estava a ser reconhecido o trabalho de anos e esse reconhecimento motiva-nos a continuar.”

Inicialmente incrédula com a passagem aos finalistas fica o sentimento de que o resultado final de uma nomeação destas é sempre a melhor recompensa na valorização de uma profissão que nunca poderia merecer menos.

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